sábado, 26 de dezembro de 2009

Querela

Querela
Sobre o recente livro de Saramago, “Caim”, tem-se dito tudo e muito mais. Suspendi a minha opinião até ler o livro, como li os anteriores. Nas análises, nos frente-a-frente, nas entrevistas, debates, diálogos e blogs encontro alguns amores, muitos ódios e poucas imparcialidades. É vasta a legião dos ofendidos, quanto a mim despropositada porque, ou a fé é sólida e não é quemquer que a ofende ou é interesseira e receia concorrência. Parece-me vã a interpretação da Bíblia, se literal se simbólica ou metafórica. As duas coexistem e são legítimas: que Deus tenha criado o mundo em seis dias é, como quem diz, uma maneira de dizer, mas seria trágico não levar à letra o mandamento “não matarás” ou humanamente impossível não violar o outro que diz “não fornicarás” [Êxodo,20 – 13 e 14]. Nunca houve muita sintonia entre as duas dimensãoes da natureza humana, a Razão e a Fé e a verdade é que a expressão desta não facilita a aproximação da Razão : ouço proclamar (não sei com que convicção) no credo das missas :“Deus de Deus, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, consubstancial ao pai, por ele gerado e não criado…”. Convenhamos que é demasiado subtil e que bem poderia ser simplificado!
Ora Saramago, na minha leitura atenta, racionalizando não nega a legitimidade da fé dos que a têm (um doutrinador da Igreja, creio que Tertuliano, justificava-se sabiamente: “creio porque é absurdo”).
É abuso racionalizar episódios que, preto no branco, vêm descritos na Bíblia? Para a interpretação crente lá estão os exegetas (que estão longe da unanimidade). Para uma mundivisão agnóstica lá está a última frase, para mim a chave para a compreensão do texto: “A história acabou, não haverá mais nada que contar”. E a história é a escatologia de Saramago, simbolizada na pasagem de Caim por este “vale de lágrimas”, cruel e sem sentido porque regida pela lei do crime e castigo sem qualquer vislumbre de redenção.

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