quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O gadanheiro

No Verão os dias são longos e o sol é o relógio que marca as horas. Só funciona entre o nascer e o pôr-se. Trabalho duro. Os lameiros são na Azênia, a aldeia está longe e é preciso estar lá quando o relógio que é o sol arranca. De véspera, gadanha bem picadinha em ferro espetado no chão e martelo próprios. Árduo é o trabalho. Até ao sol a pino aguenta-se, perduram restos da frescura matinal, mas vem aí a tarde, a malvada que nunca mais acaba. E os gestos repetem-se à exaustão num vai-vem rasteiro em semi-círculo, p’rá esquerda a cortar, p’rá direita a ganhar força, e a erva que será feno, linda de verde, a cair num amontoado longitudinal em lombas que são ondas. Trabalho duro mesmo. Meio-dia, o jantar ajuda: o menino levou-o nas alforjas da burrinha e as sopas, abundantes, de grão-de-bico e bacalhau, chizadas, não arrefeceram.Um vinhito fresco em cabaça avinhada é o melhor complemento. Debaixo do freixo frondoso a sesta – retemperadora? Ouxalá que fosse! A tarde é áspera, indesejada, o sol aperta a sério – 40, 45º, bom termómetro é o corpo – provocando lágrimas de suor que doem. Na cabeça, o lenço vermelho amacia o incómodo húmido do feltro do chapéu e, espassadamente, limpa a cara transpirada. Trabalho duro, digo-vos. A tarde vai ainda a meio, os dias são longos e o ritmo da gadanha cumpre o ritual: zás...zás; zás...zás, com afiações frequentes em aguçadoura de gadanha mergulhada na água contida no extremo de um corno e presa à cinta do gadanheiro. Cuidado com ela, não vá tocar em pedra e melar-se... Há vinho, é certo, fraco e abundante mas, que diabo, o corpo pede sempre mais e a sede não cede. A fontela é próxima das poças onde bebe o gado depois de amariçar. A necessidade pede sofreguidão. Engano. Mesmo assim é um lenitivo: para a sede e para uns escassos minutos de repouso.Vamos lá aguentar mais um cibinho...
No final do dia são 10 horas bem contadas, de gadanha bem segura por mãos calejadas, de movimentos ritmados e repetidos, de corpo estafado a pedir descanso. Descanso para quê? Para no outro dia repetir o ritual. Era duro de verdade o trabalho de gadanheiro. E se a Morte significa o descanso eterno mal lhe fica ter escolhido como símbolo a gadanha.

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