quarta-feira, 22 de setembro de 2010

impressões(1)

Por deferência, estimulação ou, talvez mesmo, caridade, enviam-me com regularidade a revista «Boletim Salesiano». Chegou hoje o nº 522 do qual respigo duas notas bem diferentes:
-A primeira refere-se à morte do Pe.Edgar dos Santos Damásio que recordo dos tempos de Mogofores como um jovem íntegro, místico e decididamente vocacionado para o sacerdócio. Seguindo percursos bem diferentes soube-o mais tarde proficiente director da Biblioteca da Universidade Católica, quando eu leccionava na Faculdade de Psicologia de Lisboa. O Dr. Duarte Pereira já me dera conta do deu estado periclitante.
-O outro registo, bem mais reconfortante, foi-me sugerido pela entrevista ao Dr. Bagão Félix, na sua resposta à pergunta: «se tivesse que definir a sua vida através de uma árvore qual escolheria?» Textualmente: «A oliveira, por ser a expressão de tudo aquilo de que eu gosto na natureza humana: abnegação, austeridade, sinceridade, autenticidade, capacidade de resistência, heroicidade, santidade. O tronco – já corroído pelo tempo, pela erosão… - é quase milagroso ver como resiste, com serenidade, impávido. Sugere a ideia não do isolamento mas da solidão, no sentido da purificação, a ideia do deserto, da religiosidade, a ideia da ausência de tempo. Suporta tudo com candura, quietude e naturalidade. Gosto muito das árvores e plantas que me suscitam uma aproximação ética.»

domingo, 12 de setembro de 2010

Saramago...ainda

Recebi do meu Amigo Prof A. Cirurgião um e-mail com dois testemunhos, um de Emília Nadal e outro de José António Saraiva, sobre José Saramago de que extraio os excertos mais significativos, penso que sem alterar o conteúdo da suas posições.
De Emília Nadal [artista plástica cuja obra segue um caminho muito próprio no contexto da Arte Portuguesa, referindo-se a si própria como uma artista “marginal”]:
« Privei e trabalhei com a gravadora Ilda Reis, a primeira mulher de quem estava divorciado, quando a filha de ambos foi presa pela PIDE, por ser da exrtrema-esquerda e que, por isso mesmo, ele tratava friamente e até com animosidade. Era uma inimiga. Privei diariamente e viajei com o casal Isabel da Nóbrega e José Saramago do princípio ao fim da relação.
......................................
É pura verdade que a Isabel criticava e corrigia os textos que ele escrevia (particularmente do Memorial do Convento), discutia e dava nome às personagens (Belimunda). Ensinou-o a domesticar o ódio, a comportar-se socialmente e a adquirir um estilo literário. Sem ela ele nunca seria o homem e o escritor que foi.
A Pilar e o lobby Batassuna foram os grandes artífices da sua ascensão na cena internacional. Sem a influência política daqueles nunca teria recebido o Prémio Nobel…»
....................................
« Podíamos gostar de conviver com Saramago como um amigo interessante, respeitando as suas ideias e admirá-lo como escritor. Mas não devemos elevar, a exemplo nacional e universal, um escritor que até ter conquistado fama, amor, dinheiro e poder, cometeu grandes injustiças e foi profundamente desumano.»
...................................
«Os seus livros, sendo bons ou mesmo admiráveis, não são melhores do que os de muitos outros escritores portugueses, ainda vivos, que nunca serão reconhecidos internacionalmente. Não será por falta de mérito: é o que acontece a quem não tem padrinhos suficientemente bem colocados e influentes na cena mundial. Saramago beneficiou de tudo isso».
###############

Agora o José António Saraiva:
«Conheci José Saramago antes de saber quem ele era. O ateliê de arquitectura onde comecei a trabalhar ficava na Rua Viriato – em Lisboa, perto da Praça do Saldanha – e ia muitas vezes almoçar a um restaurante chamado Forno da Brites, que distava uns 100 metros da porta do nosso prédio.Um dia, pouco depois do 25 de Abril, sentou-se nesse restaurante, na mesa ao lado da minha, um casal. A mulher era loura, bonita, de olhos muito azuis, e o homem era alto, mal encarado, de cabelo comprido na nuca. O almoço daqueles dois seres foi uma autêntica sessão de tortura. O homem falou durante quase toda a refeição, num tom áspero, de quemralhava, e a mulher ouvia, com ar sofredor. A certa altura começou a chorar, abriu a mala, tirou um lenço e limpou as lágrimas. Mas nem assim o homem se comoveu – e continuou a ralhar no mesmo tom agreste, que durou até ao fim do almoço. Eu conhecia a mulher de a ver em fotografias: era Isabel da Nóbrega».
..........................................
« Um belo dia – já era eu director do semanário Expresso – o director-adjunto, Joaquim Vieira, veio propor-me que Saramago tivesse uma coluna de opinião na 1ª página. Depois de reflectir uns segundos, disse-lhe que não – explicando que, dessa forma, a opinião de Saramago passaria a ser a mais importante do jornal, a mais marcante, o que não fazia sentido, até por ele ser assumidamente comunista. Teria algum sentido um jornal de matriz liberal ter como principal colunista (sobrepondo-se mesmo ao Editorial) um militante do Partido Comunista?»
....................................
« Revoltou-se contra Sousa Lara – e o próprio país – por não indicar um livro seu para um prémio literário. Ora não é verdade que Saramago apoiava o regime soviético, que praticava uma censura feroz sobre tudo o que se publicava?».

**********

Confesso que me repugnam profundamente os argumentos ‘ad hominem’ que procuram diminuir o valor de alguém apontando questões de carácter. JAS vai mesmo ao ponto de propor censura por razões ideológicas. Será que, se pudesse, mandaria queimar os livros de Saramago?
A cena do ‘Forno da Brites’ além de patética é pidesca: estava à cuca da conversa entre o casal? O choro foi por maltratos?
Se vamos pelo ‘ouvi dizer’ ou ‘ contaram-me’ onde poderemos parar? Pessoa absolutamente credível disse-me do grande poeta José Régio, de quem tinha sido aluno, «coisas que terei pudor/ De contar seja a quem for» [J.Régio, in ‘Toada de Portalegre’]. É sabido que o celebrado literato Jorge de Sena foi expulso de oficial da Marinha por razão de homossexualidade. Interessa isso para a valoração da obra dos Autores? Nada, em meu entender. Querer diminuir o valor de toda uma obra artística a partir de problemas de carácter e, pior ainda, de posições ideológicas, além de ressentimento é idiotice.