quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Arte e erotismo

A poesia, talvez por ser uma das forma de expressão mais queridas do povo português é, quanto a mim, dos monumentos mais respresentativos da nossa cultura. Através dela sim, somos originais e grandes, dos maiores. Na diversidade das suas formas, bem cedo começou a nossa expressão amorosa e erótica através das cantidas de amigo e de amor. Natália Correia prestou um bom serviço à história da nossa literatura com a «Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica», que lhe valeu a condenação pelo plenário da Boa-Hora (1970). Lembro aqui dois grandes poetas, que admiro:

José Régio, púdico e misógino, escreveu:

A mulher que eu amo, que impressão me faz!
De cabelos rasos, parece um rapaz.
Mas os olhos dela, sem ela querer,
É que dizem coisas que só de mulher.
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E os seus dentes, frios no sorriso moço,
Sinto-os, só de vê-los, contra o meu pescoço.
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Os seus seios hirtos, pequeninos, túmidos.
Bastam a que os olhos se me façam húmidos.
Suas mãos felinas, logo que me tocam,
Meus nervos agudos todos se deslocam.
Suas ancas – taças do prazer – transbordam
De ópios que adormentam.....mas que logo acordam.
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Com seu riso aéreo nos lábios vermelhos,
Ela, então, recebe-me, entre os nus joelhos,
Sobre o longo corpo inteiramente franco....
E os seus olhos mortos bóiam só em branco.
[in «Filho do Homem»]

E David Mourão-Ferreira, fogoso e irreverente:

Que louro cabelo
Tão louro por dentro
Azuis, olhos verdes de mar de arvoredo
Ó branca e vermelha desde o tornozelo
Até às alturas dos ombros, da nuca.
Nem saia nem manta
Só te quero nua.
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Ó branca no peito, vermelha na boca,
Ó branca e vermelha na rosa do corpo
De rubro incendeias
[in «Música de cama»]

Algum deles terá sido sincero?
Eu não fingi quando escrevi a

Sinfonia erótica breve

O teu corpo esguio é de graça cheio,
É eros, cupido, ideal sonhado,
Fonte de prazer, fruto desejado,
Sedução bendita que faz meu enleio.

Teus lábios carnudos em cima e no meio,
Teu cabelo fino, de oiro quilatado,
Teu vénus erguido em monte cerrado,
Povoam meus sonhos, são o meu anseio.

Teus peitinhos, hirtos, apontando em frente,
Indicam caminhos, são faróis, são guia
Às minhas mãos ágeis, minha boca ardente;

E, embalados em suave melodia,
No clímax do amor, na volúpia quente,
São os nossos ais breve sinfonia.