quinta-feira, 25 de novembro de 2010

aniversário

No Trassovivo pinta-se, é claro. Que é como quem diz, pintam aqueles que sentem o chamamento para a arte da tela e da paleta.Mas cultivam-se lá outros ‘traços vivos’; um deles, por sinal um traço bem carregado em ‘bold’, é o da Amizade. Que pode manifestar-se de várias maneiras. Uma delas pode ser ir festejar o S.Martinho com arroz de cabidela e, claro, castanhas assadas à transmontana na Vila D’Ala ou ir bater-se com uma valente feijoada à casa de Santa Cruz do casal Julieta/Tó.Mas há outros. O de hoje, por exemplo, foi festejar-se o aniversário da Ana Maria em ameno mas animado lanche ‘in loco’. As costumadas prendas. A minha, simples mas bem aceite foi um poemazito, que a destinatária (aliás esplêndida 'dizeur') declamou:

É real…é Real

Aquele andar compassado e miudinho,
Aquele olhar doce de menina,
Aquele jeito, decifrável, de ser Mãe.
Aquele impulso magnânimo de ajudar
Como quem faz da vida doação
Sem se interessar a quem…

Aquele gesto relaxante de pintar
Concentrada sobre a tela, duvidosa:
Paisagens, nus, seres a quem dá vida;
Feminina, suave, misteriosa,
A pôr no que faz alma e coração,
É de quem faz tudo com carinho.

Com lembranças africanas vai sonhando:
Madres, colegas, incríveis histórias
Contadas por avós;
São memórias
Que nos lembra com prazer de vez em quando.

No Trassovivo por vezes a sós,
Dando largas à imaginação;
Melhor, só estar com o seu Zé,
(Quem duvida que assim é?)
Seja em Carcavelos ou seja em Alpalhão.

Aquele ar sereno, complacente,
De quem é que será, afinal?
Não será, podem crer, de muita gente;
Mas é de alguém certamente:
É da nossa Ana Real.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

ninhos

Naquele tempo os rapazes andávamos aos ninhos. Nas árvores ou nos barrancos porque os dos beirais era pecado destruir, a andorinha era sagrada. Ripar freixos e olmos era meia certeza de ninho achado, em geral nas trepolas. Cultivava-se o achamento: apostava-se quantos cada um sabia, visitavam-se pouco para não espantar a mãe e provocar o abandono (quantas não enjeitei por causa da curiosidade em vê-las a dar o subiaco aos implumes!), guardava-se segredo do sítio e, sobretudo, não se revelava à luz da candeia para não ir lá a cobra. Variadas eram as formas dos ninhos; em originalidade ganhava o pica-pau, mas alguém se atrevia a meter lá a mão? Depois havia os que apanhavam os pássaros.Também fiz algumas maldades que não confesso, mas logo me arrependia. O que entusiasmava era achar ninhos de carriça («a carriça diz a missa com sapatos de cortiça»). Já ninhos de pardal («o pardal muda o missal com sapatos de cabedal») não estimulavam.
E agora esta pequena pérola do nosso Miguel Torga para a pituxa a quem o Pai já mostrou ninhos na Vila Dala:

«Segredo»

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.
Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...