terça-feira, 9 de dezembro de 2008

As parras
Gosto do Outono. Além de suscitar nostalgias agradáveis brinda-nos com as folhas como nenhuma outra estação. Eu gosto de folhas, de todas, mas muito especialmente das folhas parras que são as folhas das parreiras (outros dizem videiras). As parras, no Outono, são únicas quando asssumem cores que o pincel do artista só imita. Comparáveis, talvez as de plátano. É vê-las ainda mal presas à vide, a caírem frágeis sob uma brisa suave ou espalhadas em chão rústico acolhedor. As parras são úteis e são inúteis. Úteis para fertilizar e servir de metáfora (“muita parra e pouca uva”) e de inspiração à fábula da raposa astuta mas despeitada de La Fontaine: “ainda estão verdes”. Inúteis como as que, intrigado, vi nos museus do Vaticano a taparem o sexo daquelas belas estátuas produzidas pelo génio clássico e renascentista. “Uma parrachachada» pensei então, sem reparar na perversidade do neologismo em local tão púdico. Para mim melhor que as amendoeiras em flor anunciando a Primavera só as parras do Douro despedindo-se do Verão.
«Amália». É um filme com texto vulgar mas bem realizado e muito bem sonorizado. Não sei qual o critério da escolha dos fados, todavia não consta o que, para mim, é dos mais belos. A letra foi escrita pelo poeta António de Sousa Freitas e musicada pelo Alfredo Duarte (Marceneiro) e faz parte do célebre CD do busto:

Na rua do silêncio
é tudo mais ausente,
até foge o luar
e até a vida é pranto.
Não há juras de amor,
não há quem nos lamente
e o sol quando lá vai
é p'ra deitar quebranto.

Na rua do silêncio
o fado é mais sombrio
e as sombras duma flor
não cabem lá também.
A rua tem destino
e o seu destino frio
não tem sentido algum,
não passa lá ninguém.

Na rua do silêncio
as portas estão fechadas
e até o sonho cai
sem fé e sem ternura.
Na rua do silêncio
há lágrimas cansadas.
Na rua do silêncio
é sempre noite escura.