quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Os sinos

Todas as terras têm os seus símbolos, ícones e monumentos a perpetuarem memórias e a servirem de referência e até de vanglória aos seus patrícios. Os sinos de Brunhoso fazem parte da sua vaidade merecida e das nossas recordações. Quantas lembranças evocaram e evocam nos que, distantes e saudosos, os ouvimos como se de virtualidade real se tratrasse!
Os sinos são a razão e a emoção, o significante e o significado, o convite e a obrigação. São a informação. Ninguém confunde a chamada para o terço no mês do rosário com a chamada para a Missa domingueira. São indicações diferentes. Como todos distinguem o toque da 1ª chamada do toque «à pressa».
Até actos e hábitos sociais são pautados pelo toque normativo do sino. Que quando vespertino «às avè-marias» é ordem para a garotada regressar a casa, enquanto que o camponês apanhado no regresso do dia de trabalho se descobre e murmura para si, mesmo se acompanhado, a sua oração sagrada.
Deus nos acuda se, a qualquer hora, ouvirmos os sinos com inusitada força e rapidez: cântaros, baldes, regadores, todo o vasilhame disponível para atacar o incêndio seja ele onde for.
Sinos é alegria. É a festa do santo, é o casamento, o baptizado, o enterro do anjinho, é a procissão («tocam os sinos na torre da Igreja / há rosmaninho e alecrim no chão/ na nossa aldeia, que Deus a proteja/ vai passando a procissão»-António Lopes Ribeiro). É, acima de todos, o domingo de Páscoa com direito a repicarem ininterruptamente, com acesso indiscriminado, por vezes disputado.
Sinos, pináculos e envolvente enfeitados espontâneamente com manhuços de flores campestres da época, de cores variegadas, adornam os sons alegres e festivos, mesmo quando a lenga-lenga é pouco melódica, porque produzida por aprendizes curiosos e novatos imberbes como que a quererem assegurar aos grandes que não há risco de continuidade. É dia em que até se podem revirar, mas isso não é para todos! Como resultado obtém-se um gemido lânguido e queixoso. E fazer o sino fazer o pino é um sucesso.
Mas sinos é também tristeza. Doloroso, doloroso, é o toque a finados. Melopeia vagarosa e compassada em ritmo binário, primeiro a badalada de um sino, logo a do outro, concluídas com dois uníssonos de acústica dissonante que toca o coração e aguça a curiosidade :
«Sinos a defuntos, ai, quem morreria?
Olha foi o pobre do ti’ Zé-senhor;
Velho, tão velhinho nenhum outro havia,
P’ra fazer 100 anos lhe faltava um dia
Há 94 era já pastor»
[Guerra Junqueiro].
Como triste é o último toque do dia – já lá pela noite adentro – lento e lúgubre como convém ao encomendar das almas… dlão…dlão...dlão...
-Ó almas que estais em pena
-Ó almas que em pena estais
-Lá vos mandamos esta esmola
-P’ra que das penas saiais.
Pai-nosso-ave-maria.
Uma criança concluiria a sua redacção com singeleza poética «os sinos moram no campanário». A. Herculano escreveu com nostalgia romântica «os sinos, já não há quem os toque». Por mim direi apenas com saudade agradecida : haver haverá, mas aquela perícia de refinado artista que era a do sr. Zé Luís, sacristão, do meu tempo, não ma esqueçam, por favor.

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